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sábado, 27 de janeiro de 2018

Sobre imagens e idolatria

"Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidäo;
Não terás outros deuses diante de mim; Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra; Näo te encurvarás a elas, nem as servirás..."(Dt 5.6-9)

Esses versículos são muito conhecidos pelos protestantes brasileiros. Eles claramente proíbem a idolatria. Mas...o que é realmente idolatria? Possuir um vitral com cenas bíblicas? A resposta é um sonoro NÃO! Vamos analisar o que esses e outros versículos da Bíblia dizem sobre imagens e idolatria.

Osíris, Anúbis e Hórus
Israel estava saindo do Egito. Do meio de um povo que tributava culto a imagens, que representavam seus (falsos) deuses, como Osíris, Rá, Amon, Isis, Anúbis, Seth e outros. A seguinte afirmação do apóstolo Paulo nos dá a certeza de que o culto aos falsos deuses equivale ao culto à demônios:

" Antes digo que as coisas que os gentios sacrificam, as sacrificam aos demónios, e näo a Deus. "(I Co 10.20)"

O apóstolo se refere, nessa passagem à outros falsos deuses, como eram aqueles cultuados pelos gregos, como Zeus, Hera, Hades, Ares, etc. Assim, não temos dúvidas de que tributar adoração aos deuses criados por homens é um grande pecado.

No entanto, as Sagradas Escrituras não proíbem todo tipo de imagem. Se assim fosse, logicamente não poderíamos ter fotografias nem bichinhos de pelúcia! Vamos analisar o seguinte versículo:

"Farás também dois querubins de ouro; de ouro batido os farás, nas duas extremidades do propiciatório."(Ex 25.18)"

A Arca da Aliança
DEUS MANDANDO FAZER IMAGENS??? ISSO MESMO!!! Estaria Deus contradizendo sua Palavra? De modo algum! Isso é uma prova de que Dt 5.6-9 não proíbe todo tipo de imagem, e sim imagens de falsos deuses com fim de adoração,e imagens do Deus de Israel. Caso a mandamento da Lei mosaica fosse tomado ao pé da letra, não poderíamos ter fotografias, bichinhos de pelúcia ou bonecas. Deus também mandou que imagens de querubins fossem feitas no tabernáculo (Ex 26.1).Também a outra habitação de Deus, o Templo de Salomão (Cujo projeto Ele próprio deu a seu servo Davi-1 Cr 28.11-12),tinha imagens de seres vivos(II Cr 4.15).Outra passagem que Deus ordena a fabricação de uma imagem após um castigo dado a Israel no deserto:

" E disse o SENHOR a Moisés: Faze-te uma serpente ardente, e põe-na sobre uma haste; e será que viverá todo o que, tendo sido picado, olhar para ela.  E Moisés fez uma serpente de metal, e pô-la sobre uma haste; e sucedia que, picando alguma serpente a alguém, quando esse olhava para a serpente de metal, vivia"(Nm 21.8-9)

Mais uma vez Deus ordena a fabricação de uma imagem! No entanto, vale lembrar que, como vimos no começo, a ADORAÇÃO de imagens é terminantemente proibida pelo Senhor. Quando o povo começou a adorar a serpente, o sábio rei Ezequias mandou que ela fosse destruída (II Rs 18.4).As imagens podiam ser usadas no culto a Deus, como decoração ou estímulo ao pensamento, mas não como finalidade em si próprias. Não como objetos de culto e adoração.

Já vimos que as imagens em si próprias não são boas nem más. Isso vai depender do jeito que as usamos (ou não usamos).

E o que o Novo Testamento nos diz a respeito de imagens no culto? NADA. Isso para mim significa que o Espírito Santo não quis dar direção específica em relação a isso, e deixou a critério da igreja o uso (sem idolatria!) ou não de imagens no culto à Deus. A idolatria é terminantemente proibida nos escritos dos apóstolos, mas nós já vimos que nem toda imagem é um ídolo.

O Bom Pastor, pintura do século III
E o que nos diz a história da Igreja? Desde os primórdios os cristãos usavam imagens. A primeira foi o peixe, pois os primeiros discípulos eram pescadores, e a palavra peixe em grego tem as iniciais(também em grego) de Jesus Cristo Filho de Deus Salvador. Outras imagens sacras comuns, a partir do século II, eram a da Ceia do Senhor e do Bom Pastor (Jo 10.11 - Cristo como um jovem ainda sem barba cuidando de ovelhas).Isso tem muita coisa à dizer aos evangélicos do Brasil, tão avessos à imagens: Segundo boa parte deles, a igreja primitiva se "corrompeu e se acabou se transformando na igreja católica romana a partir do édito de Constantino em 313".Pois bem, os cristãos já usavam imagens antes disso! Depois, surgiu a representação de Cristo triunfante (Pantocrator). Mas havia quem se opusesse, como Epifânio de Salamina, um dos Pais da Igreja, que certa vez rasgou um véu com uma imagem sacra em um templo. No início do século IV, um pequeno sínodo em Elvira (Espanha) condenou as imagens, mas a maioria das igrejas não fez caso disso. Vários Pais da Igreja, como Ambrósio, Agostinho, Basílio Magno, João Crisóstomo e Gregório de Nissa apoiaram o uso de imagens.

Uma imensa multiplicação das imagens deu-se na Idade Média (a partir do século V).As imagens possuíam também caráter didático, pois a maioria da população era analfabeta, e as Bíblias eram escritas às duras penas pelos monges.

No século VII, o islamismo condenou de forma ferrenha o uso de imagens sacras nas mesquitas (templos). Para expressar a beleza do sagrado, investiram nas qualidades arquitetônicas, caligráficas e motivos decorativos não pictóricos.

Décadas depois disso, no Império Bizantino, estourou a questão iconoclasta. Parte da Igreja pregava que as imagens deveriam ser usadas, enquanto outra parte defendia que fossem destruídas. Depois de intercalarem vitórias e derrotas, o II Concílio de Niceia (787) se posicionou a favor do uso de imagens.

João Damasceno
O principal apologista do uso das imagens nessa época foi João Damasceno (c.675-749). Considerado por muitos como o último Pai da Igreja, o religioso sírio se utilizou principalmente do argumento de que, fazendo-se o Filho de Deus imagem (em carne - Jo 1.14) abriu-se a possibilidade do mesmo Filho de Deus fosse representado em imagens. O mesmo Jesus Cristo é a “imagem” (do grego “eikon”, de onde vem a palavra “ícone”) do Deus invisível (Cl 1.15). Assim sendo, anula-se a objeção de Dt 4.12, que faz sentido apenas no contexto do AT, na qual nenhuma das pessoas da Trindade havia se tornado visível. Ainda seguindo a linha desse argumento, podemos ver que as imagens do Filho não são mais proibidas.  O fato do corpo dos fiéis ter sido santificado pela ressurreição de Cristo também contribuiu para a defesa do uso de imagens dos santos mortos (lembra-se que as imagens do AT eram apenas de anjos e animais?).

Iconóstase em igreja ortodoxa
As imagens principais da Igreja Ortodoxas residem nos ícones, imagens pintadas, geralmente em madeira, representando o Cristo Pantocrator, a virgem Maria com o menino Jesus, e os diversos santos. O altar da consagração eucarística é separado do resto do templo por uma parede coberta de ícones, a iconóstase. Os fiéis se ajoelham e beijam as imagens. A princípio, os ícones tinham o mesmo estilo, mas em alguns lugares como a Rússia (baluarte da Ortodoxia), devido a mudanças culturais (como a ocidentalização pelo czar Pedro, o Grande), adotou-se um estilo mais realista e humanista, baseado nos ideais artísticos ocidentais da Idade Moderna. Já as imagens tridimensionais são rejeitadas pelos ortodoxos. Com o movimento artístico conhecido como “Gótico”, no séc. XII surge um tipo de imagem que seria utilizado largamente nas catedrais: o vitral. Novas ideias e práticas arquitetônicas permitiram maior leveza nos templos, fazendo com que grandes peças de vidro fossem sustentadas.

No fim dessa época (séc .XV),houve um momento de trevas espirituais na Cristandade. Muitos cristãos passaram a confiar em imagens (isso sim é idolatria! Sl 115.4-8) Os bispos de Roma, outrora fiéis pastores do rebanho de Cristo tornaram-se políticos mundanos, que arrancavam a pele e carne de suas ovelhas. Todos aqueles que se levantavam contra aquele sistema eram calados. Mas houve um homem que não foi calado... o seu nome era Martinho Lutero.

Surge a Reforma protestante. Algumas verdades que haviam sido cobertas com um negro véu ressurgem: A justificação pela fé (Rm 5.1; Ef 2.8; Hc 2.4), a suficiência das Escrituras, o sacerdócio universal dos cristãos (I Pe 2.9),etc..Mas qual era a opinião dos reformadores em relação a imagens?

Lutero não condenou as imagens em si. Em alguns de seus escritos, ele até mesmo defende o uso de imagens como o crucifixo. Nas igrejas que aderiram o ramo luterano da Reforma, a maioria das imagens continuou. Basta consultar "lutheran church" ou termos parecidos no Google. Mesmo no Brasil, os luteranos se utilizam de imagens. Eu posso comprovar isso, pois já fui na paróquia luterana do Centro de São Paulo(IECLB). Lá existe uma imagem de Cristo crucificado e outra, se eu não me engano de Jesus com os dois discípulos em Emaús (Lc 21.13-35).

Já Zuinglio era radicalmente contra as imagens. Mandou que as paredes de sua igreja fossem pintadas de branco. Calvino também foi opositor do uso de imagens. Surgiu até mesmo um ditado no meio reformado: "o culto reformada consiste de quatro paredes caiadas e um sermão". Já os anglicanos se dividiram entre os que apoiavam e os que condenavam as imagens. Algumas delas continuam com as imagens em seus templos até hoje

Com o movimento ritualista do século XIX, várias congregações protestantes reintroduziram a arte sacra. Atualmente, em vários lugares (principalmente Europa e E.U.A.) as mais variadas igrejas(anglicanas, luteranas, presbiterianas, reformadas, metodistas, batistas, pentecostais),possuem imagens. Podem ser vitrais, pinturas, ou mesmo esculturas.

Houve até mesmo o caso de existir uma Assembleia de Deus (cujos membros são opositores ferrenhos de imagens) que tinha uma cena bíblica registrada na parede (Moisés e o povo atravessando o Mar Vermelho - Ex 14).E isso em pleno Brasil! Depois o templo foi vendido para outra denominação, e não sei se a pintura ainda está lá.

Também devemos lembrar que imagens possuem uma forte comunicação simbólica na espécie humana.  Vejamos o que nos diz Lutero no seu escrito "Contra os profetas celestiais":

                 “Quando eu escuto falar de Cristo, uma imagem de um homem pendurado            numa cruz  toma meu coração, assim como o reflexo de meu rosto aparece                       naturalmente na água quando eu olho nela. Se não é pecado, mas sim bom em ter uma imagem de Cristo  em meu coração, porque deveria ser um pecado de tê-lo em meus olhos?”

Não vejo o problema com imagens na igreja, desde que sejam usadas como obras de arte e como estímulo ao pensamento (nenhuma forma de culto ou veneração deve ser prestado a elas). Creio que Deus é digno do melhor, e que por isso é uma ótima ideia o adorarmos utilizando as artes (pintura, arquitetura, literatura, artes decorativas, música, etc)    Também, como eu tenho dito em outros artigos, o homem é um ser simbólico, que através das artes expressa e entende os afetos da alma. Porque os afetos religiosos dos cristãos não poderiam ser assim representados? 

Por fim, devemos lembrar que não são apenas as imagens que podem provocar a idolatria nos corações. Uma pessoa amada pode ser um ídolo. Uma ideia preconcebida pode ser um ídolo. Uma grande personagem histórica ou política pode ser um ídolo. Uma prática pecaminosa pode ser um ídolo. Um líder de uma igreja pode ser um ídolo. Cabe a nós consagrarmos-nos à glória de Deus, e jamais conceder a glória dEle a outros seres ou objetos.







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